Tuesday, July 18, 2006

Santander

Entrevista com o Diretor de Estratégia da América Latina do Santander que saiu na Gazeta Mercantil de 18 de Julho.

"O juro pode baixar porque subiu na hora certa"

Santander (Espanha), 18 de Julho de 2006 - BC foi "valente", diz diretor do Grupo Santander; agora, vai na boa contramão do resto do mundo. O Brasil vem crescendo menos que América Latina que, por sua vez, cresce menos do que o mundo. Pode haver muitas respostas, nem sempre satisfatórias, para essa questão - da baixa taxa de investimentos ao ambiente de negócios e aos juros altos. Mas não adianta culpar o Banco Central por isso, afirma José Juan Ruiz, diretor de Estratégia para a América Latina do Grupo Santander. Ao contrário, o BC foi muito "valente" ao aumentar os juros quando a inflação recrudesceu e o dólar disparou na virada 2002/2003, quando o presidente Lula assumiu. Por tê-lo feito naquela época, o BC brasileiro "comprou credibilidade". Agora, é o único Banco Central do mundo que está baixando os juros, enquanto os outros caminham na direção contrária: Estados Unidos, Europa, Japão, para não falar em emergentes como a Turquia. Essa credibilidade, na opinião de Ruiz, permite ao BC brasileiro agir com independência também no câmbio - mesmo que o dólar "de equilíbrio" devesse estar em qualquer ponto entre R$ 2,20 e R$ 2,35.

Ruiz, 48, conhece bem o Brasil. Entrou por concurso no Ministério da Economia e ganhou espaço no governo de Felipe González (1982/1996), então líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), ao qual era filiado. Conheceu lá Francisco Luzón, com quem trabalha até hoje: diretor-geral para as Américas, Luzón (que foi presidente do Banco Exterior de Espanha, então estatal, e também passou pelo governo González) é seu chefe no Santander. Ruiz viveu, portanto, experiências que o tornam um bom conselheiro para políticos e economistas brasileiros. Fala com o senador Aloizio Mercadante (PT) e o ex-prefeito José Serra (PSDB), ambos candidatos ao governo de São Paulo e ambos oriundos da esquerda católica, como ele próprio. De sua passagem pelo governo, recolheu, entre outras, uma lição que repassa: os ganhos da social-democracia espanhola só se tornaram possíveis a partir da estabilidade macroeconômica, que zelosamente perseguiu e conquistou. Com José Luiz Zapatero, o PSOE voltou ao poder há dois anos e mantém políticas que produziram um crescimento ininterrupto: desde então, a Espanha cresce 3% ao ano (projeção de 3,3% para 2006), bem acima da média da Eurozona, 1,9%. A seguir, trechos da entrevista:

Gazeta Mercantil - O senhor diz que muitos mitos estão sendo derrubados. Por exemplo: não dá para crescer com inflação baixa, nem dá para crescer com superávit nas contas correntes e ou só com poupança interna. De fato, com superávits e acumulação de reservas, a América Latina vem crescendo nos últimos anos a taxas entre 4% e 5% ao ano, com inflação caindo da média de 11,9% (em 1997) para 5,8% em 2006. Mas isso não se aplica inteiramente ao Brasil: a inflação é cadente, baixando a menos de 4,5% ao ano, mas o crescimento é pequeno, de 2,2% nos últimos anos, enquanto o mundo bate nos 5%. Por quê?
José Ruiz - Temos que ver as coisas numa perspectiva de longo prazo. Há níveis de inflação a que é preciso chegar antes de aspirar a crescer. À parte os últimos anos (inflação de 6% ou 7%), o Brasil vem tendo há 25 anos baixo crescimento com taxas de inflação médias de 400% anuais, que custaram muita desigualdade social. O problema não é dizer: crescemos pouco porque a inflação é baixa ou porque os objetivos de inflação muito baixa exigem juros altos. Nego-me a admitir isso. O Brasil tem crescido pouco, porque a cicatriz, a memória inflacionária é muito difícil de apagar. O que digo é o Brasil teve que levar a inflação a níveis normais a outros países que estão crescendo e esse processo foi muito custoso em termos de crescimento.

Gazeta Mercantil - As metas de inflação são consideradas muito rígidas.
O importante não é se o número é 4%, 3,5% ou 5,5%. O importante é saber quanto custa ter um Banco Central com credibilidade, num país com a história inflacionária do Brasil. O BC provavelmente pagou um preço há dois, três anos, quando todos queriam baixar os juros a 14%. Disse não, as expectativas de inflação estão elevando-se e tenho novamente que apertar. Naquele momento, demonstrou sua independência política, mostrando que efetivamente levava a sério seu trabalho de fazer a inflação convergir para a meta. O mundo tem uma taxa de inflação de 5%. O Brasil não pode crescer a 7% se sua taxa de inflação é de 8%. Aí, o BC comprou credibilidade. Foi uma decisão muito valente, importante. Provavelmente tirou do Brasil um ponto, 1,5 ponto de crescimento nos últimos dois anos. Mas agora, num momento em que todos aumentam os juros, o brasileiro é o único do mundo que está baixando, diante de uma inflação que deve ficar abaixo de 4%, porque subiu antes. A tarefa do Banco Central não é molestar os políticos aumentando os juros. É, como recomenda a Constituição, manter o valor da moeda e sustentar a estabilidade de preços.

Gazeta Mercantil - Isto vem custando muito aos brasileiros.
Sim, custa. Seria possível reduzir o custo se houvesse mercados mais flexíveis, maior dinamismo empresarial privado, melhor distribuição dos impostos. Nem digo que os impostos são altos. Digo que se poderia aumentar a arrecadação com impostos mais simples. Sei dos problemas polícos, mas tem que fazer. A população acabará se convencen-do de que ter impostos desordenados, complexos, casuísticos, também custa e muito. Mas há outros obstáculos. Apesar da estrutura econômica e do dinamismo da população, é muito difícil fazer negócios no Brasil, que tem um modelo microeconômico muito complicado. O peso do setor público é muito alto e a competição, muito baixa. Isto vai ter que se corrigir. E mais: não dá para pensar em crescer 5% se o Brasil não investir pelo menos 21% do PIB.

Gazeta Mercantil - Cresce o desconforto no Brasil quanto à taxa de câmbio, que desestimula as exportações. O que fazer? O BC deve intervir? O que o senhor faria?
O Banco Central identificou corretamente o problema. Não esqueçamos de que o Brasil recuperou reservas que lhe permitiram pagar o FMI, pagar parte da dívida e, ao mesmo tempo, apreciar sua moeda. De novo, muita gente está vendo só o curto prazo. A moeda se apreciou em relação aos R$ 4 por dólar, mas concordemos que isso é o que o mundo pensava naquele momento, quer dizer, que o Brasil daria calote. Aí valeu a credibilidade do Ministério da Fazenda, que disse: vamos nos comportar bem, respeitar as regras. Mudou o quadro. O BC agiu bem deixando apreciar, isso ajudou a inflação a cair e impediu alta maior dos juros. Agora, lhe permite graduar o descenso dos juros. Creio que o câmbio real hoje deve estar entre R$ 2,20 e R$ 2,35. Quase todos os modelos de avaliação dos fundamentos do país estão aí. Não em R$ 3, nem naquele 1 a 1 argentino.

Gazeta Mercantil - Intervir, não?
O que se deve é evitar que o câmbio, por razões extraordinárias, como entradas de capital, possa no curto prazo cair a R$ 1,80 por dólar. Não creio que esse seja o câmbio de equilíbrio do país. Pode-se intervir em algum momento, por curto tempo. Mas a flexibilidade cambial é muito boa. Diz ao mercado que o BC joga com as regras que diz que joga e não as muda no meio da partida.

Gazeta Mercantil - O senhor defende que se reconheça um "novo modelo" para toda a região. Além da estabilidade macroeconômica e da sustentabilidade financeira, esse novo modelo envolve uma reavaliação do papel do Estado, que supõe: a transição do "laisser-faire do neo-liberalismo" dos anos 1990 para um regime de parcerias público-privadas; um reforço da capacidade regulatória do Estado, com "eventual redefinição" das regras do jogo; políticas de redistribuição de renda, para crescer com mais igualdade; investimentos na área social. O que está acontecendo com os países ricos? Até Davos já colocou esses temas em sua agenda. A pregação de Lula, a partir do Fome Zero, está surtindo efeito?
Creio que, num mundo mais inseguro, sabemos hoje mais sobre os custos da desigualdade. Os latino-americanos também sabem que necessitam de mais coesão. Viver em países tão segmentados, regionalmente e de classes, tem custos. Metade do continente está fora dos mercados, do consumo, e esse contingente tem que ser incorporado. Do nosso ponto de vista, falo do banco, não vamos deixá-los de fora. Já estamos buscando novas formas de fazer negócios. Primeiro, por razões econômicas, depois por razões morais. O que é muito importante. Quando essas razões morais entram cena, elas reforçam minha esperança no futuro do gênero humano.

Gazeta Mercantil - Não há, no mundo rico, uma parcela de hipocrisia nisso?
Suponho que haja de tudo, da hipocrisia à indústria da pobreza. Um historiador de economia, Robert Fogel, Prêmio Nobel (1993), demonstrou que a escravidão era rentável, ao contrário do que todo mundo acreditava, e que só acabou porque era moralmente melhor que isso acontecesse. Dizendo não, a sociedade sairia à procura de outros tipos de relações do trabalho e isso deu lugar ao crescimento dos EUA na segunda metade do século 19. Vivemos hoje uma situação parecida. O que é economicamente ineficiente começa a ser perigoso. Ademais, moralmente o mundo começa a se dar conta de que é um perigo essa diferenciação na renda. A desigualdade na AL só é comparável à da África sub-sahariana. Não é possível. Conseguimos enfrentar o nível de desigualdade da Espanha, que em 1950 era maior que o da AL.

Gazeta Mercantil - O senhor trabalhou no governo de Felipe González, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que arrumou a casa e preparou a Espanha para os anos de crescimento sustentado que vieram a seguir. Conhecendo bem o PT, o PSDB e alguns de seus políticos, o que pode dizer a eles?
Todos os avanços que a social-democracia conquistou para a Espanha, em termos de educação, saúde, ganhos sociais, investimentos em infra-estrutura, só foram tornados possíveis pela racionalidade econômica. As reformas na economia permitiram que se fizesse tudo o mais. Creio que no Brasil há muita consciência a respeito disso.

kicker: "Nego-me a admitir que o Brasil cresce pouco porque a inflação é baixa; a memória inflacionária é que é muito difícil de apagar"

kicker2: "Creio que o câmbio deve estar entre R$ 2,20 e R$ 2,35. Quase todos os modelos de avaliação estão por aí. Não em R$ 3" (Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 2)(José Roberto Nassar)

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