Entrevista com ABN Amro Asset
Matéria publicada no Valor Econômico de 18/01/06.
ABN promete incomodar os concorrentes
Por Daniele Camba De São Paulo
Foto: Fabiano Cerchiari/Valor
Juros em queda, inflação controlada, aceleração do crescimento e fluxo de capital estrangeiro são ingredientes que devem fazer o Índice Bovespa chegar ao fim do ano em 45 mil pontos. Para Paulo Werneck, da ABN Amro Asset Management, esta pode ser a hora certa dos bancos, aos poucos, começarem a oferecer fundos de ações aos clientes de varejo, o que hoje acontece de forma incipiente.
Werneck é hoje o principal executivo da ABN Asset, no lugar de Luiz Maia, que passa a ser consultor para assuntos de sustentabilidade do banco. Com novos tipos de fundos, o executivo promete incomodar os concorrentes e quer transformar a gestora do ABN, hoje na 8ª posição, com R$ 31,7 bilhões, na 5ª maior administradora de recursos do país, atrás apenas da BB DTVM, Itaú, Bradesco e CEF.
Werneck tem uma grande responsabilidade, já que a asset brasileira foi considerada pelo grupo holandês a mais importante entre todos os emergentes neste ano. Hoje, a gestora representa 6% dos 173 bilhões de euros administrados pelo banco no mundo.
Com 22 anos de mercado, o executivo passou pelo Citibank, Rabobank e os últimos sete como executivo do ABN. Também teve uma rápida passagem pelo governo federal, trabalhando na equipe econômica do Ministério da Fazenda entre 1998 e 1999. A seguir, os principais trechos da entrevista que Werneck concedeu com exclusividade ao Valor.
Valor: Há um consenso de que a bolsa será um bom investimento este ano. O que o senhor acha?
Paulo Werneck: Temos projeção do Ibovespa em 45 mil pontos para o fim do ano, calcada em redução de taxa de juros, inflação sob controle e crescimento maior. O cenário é bastante bom. O crescimento mundial será o mesmo do ano passado. Os Estados Unidos aceleram um pouco e Europa fica igual, além da China, que já vem puxando a economia. Isso beneficia as commodities.
Valor: Quais os melhores setores da bolsa neste ano?
Werneck: Comprando Brasil com outros países, tem alguns setores muito bons, como petroquímico, mineração e siderurgia.
Valor: O estrangeiro vem impulsionando a alta da bolsa. Esse fluxo deve continuar?
Werneck: Sim. Em termos de taxa de retorno, o Brasil continua sendo muito atraente. Comparando com Turquia, Leste Europeu e Polônia, o Brasil é o que dá mais tranqüilidade de investir, com um arcabouço institucional que funciona, com um processo democrático tranqüilo. Além disso, onde o estrangeiro vai buscar retornos tão altos? O Brasil tem a melhor relação custo/benefício. O fluxo do câmbio financeiro está explodindo. Se não fosse o Banco Central comprando, o dólar estaria abaixo de R$ 2,00.
Valor: A eleição presidencial deve trazer volatilidade?
Werneck: Num primeiro instante, não teremos volatilidade grande, mas ela deve se acentuar quando tivermos uma definição de quem são os candidatos a presidente e quais os seus planos. Eles começam a ficar mais incisivos em seus discursos, isso acirra a disputa e, por isso, aumenta a volatilidade. Provavelmente não teremos mais um discurso radical destoando dos outros, algo que já aconteceu.
Valor: Com essas projeções tão otimistas para bolsa, o senhor acha que já é momento de oferecer fundos de ações aos clientes de varejo?
Werneck: A Bovespa está fazendo um trabalho interessante, levando informação sobre ações para as pessoas. Isso é importante porque o investidor precisa ter a cultura de investir em bolsa, principalmente o cliente do varejo. A taxa de juros sempre foi alta no Brasil, continua alta, mas à medida que ela for caindo, o apetite por risco aumenta. E não é só isso. Com a queda dos juros, o horizonte de aplicação fica mais longo e a bolsa entra no radar. Mas o investidor precisa entender que é uma aplicação mais arriscada. Hoje, oferecer fundos com gestão ativa de bolsa no varejo é um pouco prematuro.
Valor: Por quê?
Werneck: Porque esse cliente ainda não tem a cultura de bolsa. Um fundo ativo significa que ele pode ter um desempenho diferente do Ibovespa, por exemplo, e o grande público ainda não consegue entender isso. O investidor vê no jornal que Ibovespa subiu 5% e o seu fundo caiu 1%. Ele não consegue entender que o fundo pode ter composição diferente do índice.
Valor: E os fundos passivos, já daria para vendê-los no varejo? A venda não é muito tímida hoje?
Werneck: Para fundos passivos já tem espaço sim. E você tem razão, essa venda no varejo é muito tímida comparada com outros países. Isso vai mudar, mas leva algum tempo. Tem de criar a cultura de bolsa primeiro. É passo a passo. Primeiro o investidor entende o risco de bolsa. Num segundo momento, aplica em fundos passivos e depois entra em carteiras ativas. Para a grande maioria, bolsa ainda é algo muito especulativo. E não é. É baseado em análises fundamentalistas, de longo prazo e eles não têm essa visão.
Valor: E quando o investidor estará pronto para entrar em bolsa?
Werneck: Quando a taxa de juros chegar num nível mais baixo. Esse é o grande empurrão para o cliente entrar em bolsa. Horizonte de mais longo de investimento e taxa de juros caindo é o caminho para desenvolvimento do mercado de capitais. O apetite por risco já está começando. Primeiro vem do investidor mais qualificado - o institucional, o do private -, depois bate no varejo.
Valor: Quanto do patrimônio da ABN Asset está em renda variável?
Werneck: Em torno de 8% do patrimônio total. Muito menos que os 47% que representa dentro dos 173 bilhões de euros administrados pelo ABN no mundo.
Valor: Até onde o senhor acha que esse percentual pode subir?
Werneck: Isso é difícil de saber. Nos EUA e na Europa, por exemplo, a representatividade do mercado de ações é muito maior que o de renda fixa. É o contrário do que ocorre no Brasil. A proporção não é igual (90% ações e 10% renda fixa). O mercado acionário é bem maior. No Brasil, há uma série de melhorias estruturais para serem feitas, mas muita coisa já evoluiu, estamos no caminho certo.
Valor: Além da bolsa, que outros ativos são atrativos?
Werneck: O momento ainda é bom para aplicar em juros, mas teremos uma redução expressiva na taxa, vendo a Selic chegar no fim do ano em 15%. Isso representa juros reais de 10%. O mínimo que o Brasil teve foi 8,5%. Atingindo esse nível ou mais baixo, será ainda mais atraente estar em bolsa, porque teremos mais crescimento econômico. Neste momento, não vejo nada melhor que a bolsa.
Valor: O dólar deve continuar depreciado frente ao real?
Werneck: Estamos vendo o dólar estável este ano fechando em algo como R$ 2,25 ou R$ 2,30. Com a produção destinada ao mercado interno subindo, sustentada pelo consumo local, as exportações caem e o BC pode tirar um pouco o pé das compras de dólar, mas a oscilação será pequena. Não vale a pena como investimento, principalmente comparado com o custo de oportunidade da taxa de juros.
Valor: Os fundos para investidores institucionais possuem taxas de administração bastante baixas, enquanto que no varejo as taxas ainda são altas. Por que isso acontece?
Werneck: Não concordo. Alguns produtos de renda fixa padronizados já estão com taxas bem baixas. Existem fundos DI com taxas entre 0,60% e 1% ao ano. O conceito de alta ou baixa depende do tipo de fundo. Se a finalidade é apenas comprar títulos públicos dá para ser mais condescendente na taxa. Já os fundos que compram títulos de dívida privada, que estão crescendo, exigem uma análise de crédito.
Valor: Com base no ranking global de administradores de recursos da Anbid, de novembro, o ABN está em oitavo lugar com R$ 31,7 bilhões sob administração. Quais os planos do senhor para subir no ranking?
Werneck: Eu divido o ranking em três grandes pedaços: o primeiro, o segundo e o terceiro lugares (BB DTVM, Itaú e Bradesco) são difíceis de competir. Só é possível alcançá-los via uma aquisição. O segundo grupo é o das assets entre R$ 30 bilhões, no qual estamos, e as outras abaixo disso. Estamos brigando nesse bolo dos R$ 30 bilhões. Nesse grupo, a diferença entre as assets é entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão. É nisso que o cliente institucional faz a diferença. O crescimento no varejo é no longo prazo. Já no institucional, um cliente a mais pode representar mais R$ 1 bilhão. Queremos incomodar nossos concorrentes, sem sombra de dúvida.
Valor: Como?
Werneck: Com novos produtos, tanto para o varejo quando para os institucionais. Estamos apostando bastante nisso. A minha idéia é encabeçar essa lista dos R$ 30 bilhões, estando logo em seguida da CEF, que está em quarto lugar. Com a presença do ABN no mundo, temos a possibilidade de transferência de conhecimentos. Pretendemos usar a experiência de países desenvolvidos para vermos como se aplica aqui.
Valor: Existe demanda para novos tipos de investimentos?
Werneck: Sim. O setor ainda está muito concentrado em DI pela própria característica do mercado. Com a queda dos juros, o investidor certamente terá mais interesse por outros fundos. A asset que largar na frente vai ganhar mercado.
Valor: Também há espaço para outros tipos de ativos dentro das carteiras dos fundos?
Werneck: Há espaço para usar mais commodities, por exemplo. Os fundos brasileiros usam só câmbio, juros e bolsa. Mesmo nos multimercados, ganha aquele gestor que tem a melhor capacidade apenas de negociar melhor os três mercados. Ninguém entra em outros ativos. A necessidade de oferecer bons retornos vai forçar os gestores a buscar alternativas. Estamos vendo o crescimento no número de fundos imobiliários, os CRIs, até mesmo títulos de dívida corporativa e os seus derivativos.
Valor: O principal executivo da asset no mundo, Frank Kusse, disse ao Valor recentemente que o Brasil era o principal país emergente na área de administração de recursos do ABN. No entanto, o país não tem dado o retorno esperado. Como isso pode mudar?
Werneck: Quando ele disse isso, tinha acabado de assumir o Brasil sem entender bem que a dinâmica do mercado brasileiro é muito diferente dos mercados desenvolvidos em que a arquitetura aberta, por exemplo, já é algo estabelecido. Enquanto no Brasil isso existe apenas para o private. Também há uma grande diferença entre o peso da renda variável no Brasil e em outros países. Hoje, a opinião dele já é diferente. O Brasil tem uma participação expressiva no resultado global da asset. Todas as metas dos últimos anos foram cumpridas. Em termos de receita/despesa, o Brasil tem uma relação compatível com a dos melhores países.
Wednesday, January 18, 2006
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